terça-feira, 26 de abril de 2011

Do lado de lá

[Partir muitas vezes leva você a lugares que nem você sabe que existe em você.
Como a nostálgica saudade de tempos que não voltam mais
-Mas moram sempre na lembrança]

Já não nos vemos há algum tempo.
Alguns aqui, outros acolá.
Cada um no seu devido lugar.
E o que faz a vida ser tão doce senão apenas tudo aquilo que nos faz ser o que somos?
Nada de vizinhos na nova casa.
-Na verdade, depois deles tanto faz.
Sabe aquelas lembranças boas que fazem você rir só de lembrar?
De gente que é tão seu que sequer pode imaginar.
Assim tive uns ” Tajras”.
Há um tempo atrás
Um bom tempo atrás
Nem sei por quanto tempo, mas o suficiente pra que eu lembrasse
Carlos, Alice, Érika, Júnior, Kalil.
Depois que eles foram embora a Juiz João Almeida não foi mais a mesma.
Tia Alice era, na minha cabeça de criança, a Fafá de Belém
Associei o sorriso, o busto farto e quando ela me disse que a caixa d’água da UFPI não era um monumento da praça dos três poderes em Brasília fiquei arrasada!
Superei, mas durante um tempo ainda achei que era....
Tio Carlos era sério, mas sempre oferecia um sorriso sincero e levava a gente pra fábrica depois do CEBRAPI e isso era deveras legal.
A Érika era um doce e incrivelmente educada.
Gente do bem, sabe?
-Ainda é.
Tinha no quarto uns pôsteres de banda e ainda hoje quando olho pela janela lembro de onde era seu quarto.
Ela me arrumava, penteava pacientemente meu cabelo (ou um projeto dele!).
Me levava até para a casa das amigas dela quando tinha alguma festinha.... suspeito que ela tenha me adotado como irmã mais nova.
Foi ela a culpada de me arrumar um namorado aos 7 anos. (pula essa parte, eu já era precoce?)
O Júnior e o Kalil eram aqueles meninos danados de doer..... Nem me lembro quantas vezes brigamos, mas já rolou até briga de mangueira na calçada. Mas no outro dia já estava tudo bem... e se ainda escuto Michael Jackson a culpa é deles. Tinha uma vitrola na sala e uns vinis infalíveis que viraram trilha sonora das nossas brincadeiras.
Brincávamos de gato mia à noite, de jogar vôlei na calçada....
De dia, comíamos sirigüela e quando não tinha, as folhas também eram devoradas.
Por pura maldade, recolhíamos os casulos pra ver se tinha borboleta dentro.
Talvez por isso, para me redimir, tatuei um par de borboletas na nuca.
Muitas vezes só encontrávamos adivinhões ou lagartas de fogo, mas tudo bem... a gente era feliz assim mesmo.
O Júnior me roubou um selinho com um hibisco malicioso. Fiquei injuriada e fui contar para a mamãe. Depois ele me disse que ficou de castigo e nem pode passear na Chevy nova do Tio Carlos.... malvadeza!
Eu e o Kalil pedíamos esmola na rua.
Coisa de criança mala, entende?
Escolhíamos as roupas mais esfarrapadas e saíamos pedindo de casa em casa. Eu era loira e ele também, então tenho sérias suspeitas de que nunca convencemos ninguém pois só ganhávamos bananas!
Para completar quando eles terminavam as tarefas primeiro do que eu e o Davi eles subiam no muro e faziam o maior alvoroço. Ninguém conseguia estudar depois disso.
Certa vez, os meninos estavam brincando de escorregar no terraço cheio de sabão e o Júnior se acidentou cortando o joelho.
Quando fui visitá-lo fiquei tão assustada que me lembro que quis chorar... ele passou um bom tempo sem poder brincar com a gente, e pra dizer a verdade durante esse tempo as brincadeiras ficaram meio sem graça...
Estudávamos no mesmo colégio
Pegávamos carona uns com os outros
Passávamos a maior parte do tempo juntos.
Eles estão nas minhas fotos de criança
Assoprando velas comigo
Participando da melhor época que alguém pode viver
Onde tudo é tão pequeno e tão grande.
Onde você se sente protegido porque sabe que está em casa e pode contar com seus pais.
Nós éramos felizes
Estupidamente danados, saudáveis, marotos.
E não me lembro o dia em que eles partiram....
Só me lembro quando nada daquela casa ao lado fazia mais sentido
Era como se aquele silêncio doesse nos meus ouvidos
Eles foram embora
Depois disso nos vimos poucas vezes, apesar de morarmos na mesma cidade,
Mas sempre tem aquele gostinho de quem já dividiu algo inesquecível
E ninguém do lado de lá do muro preencheu o vazio que eles deixaram
A rua ficou sem graça, sem brincadeira.
Chegou o dia de crescer
E agora, aqui.... já não me importo de não ter vizinhos
Pois sei que alguns deles estão em Teresina, outros em Londres, outros em Parnaíba.
E apesar disso...
Eles sempre vão estar no mesmo lugar de onde nunca saíram.